![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEQtANuKr0qh53qLYnlO5V1YColkw2myzsjEgJNRzeNF41IEakfeAPLZhzovtkABooaKgAq-RtK0XKrWpleydWmDjK07C7AUkZmihs1fkkqx3aFMnZZFM_1wGm1qVm7TJP0AU9ADyNW7JM/s1600/kkkk.jpg)
A partir
desta comunicação temos a pretensão mesmo que sucinta de produzir uma análise
da possível relação entre a polêmica análise fisiológica em Nietzsche dentro do
contexto da genealogia da moral e o conceito de ressentimento, tentaremos
entender como podem se relacionar estes conceitos. Pretendemos também de acordo
com o contexto hermenêutico histórico tentar compreender como Marx poderia
dialogar com Nietzsche mesmo havendo vários contextos totalmente antagônicos
entre os mesmos. Entendemos que estes
três pilares nos fornecem possibilidades para uma transvaloração dos valores diante
de uma superação do anti-intelectualísmo que a nosso ver influencia totalmente o
cenário político atual produzindo um tipo de niilismo no sentido nietzscheano mais
geral e que nega o único real possível ou seja a imanência, nossa intenção é
tentar confirmar esta hipótese ao final do desenvolvimento do texto ou talvez
verificar que existam contradições na
nossa hipótese e que existem lacunas a serem preenchidas na análise.
A questão fisiológica e o
ressentimento
O aspecto fisiológico
irá gerar uma constante
polêmica interpretativa em torno
da filosofia de Nietzsche principalmente entre seus críticos, não há de se
negar que Nietzsche leve em consideração
os aspectos fisiológicos para tratar de questões fundamentais relacionadas ao
comportamento moral do homem e na verdade diante de tudo aquilo que se relacione
ao mesmo, porém de um modo geral a
seu ver os sintomas fisiológicos se dão a
partir de variações também psicológicas ( que não
deixam de ser fisiológicas) do forte e do fraco, mas diante de nossa
constatação há um obscurantismo quando se totaliza este contexto fisiológico a
um tipo de eugenia totalitária excludente. A relação da
afirmação do corpo em Nietzsche como aspecto afirmativo fisiológico vai
nos trazer um tipo de filosofia que se propõe a negar todos os valores
possivelmente transcendentes, de acordo com este preceito poderemos averiguar
segundo o mesmo que tipo de vida pode ser compreendida como saudável ou como doentia
e desta feita a fisiologia nietzscheana não se
relaciona com algum tipo de característica inata biológica que priorizaria
determinadas raças como superiores.
Aos desprezadores do
corpo desejo falar. Eles não devem aprender e ensinar diferentemente, mas
apenas dizer adeus a seu próprio corpo – e, assim, emudecer. “Corpo sou eu e
alma” – assim fala a criança. E por que não se deveria falar como as crianças?
Mas o desperto, o sabedor, diz: corpo sou eu inteiramente, e nada mais; e alma
é apenas uma palavra para um algo no corpo. Corpo é uma grande razão, uma
multiplicidade com um só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.
Instrumento de teu corpo é também tua pequena razão que chamas de “espírito”,
meu irmão, um pequeno instrumento e brinquedo de tua grande razão(Nietzsche-Assim
falava Zaratustra)
A fisiologia para a biologia assim como para o senso
comum trata de aspectos ligados a
características genéticas herdadas, assim como de certo modo em Nietzsche,
porém não se resume a isto, no contexto
da filosofia do nosso pensador, a fisiologia pode se entender como um processo
orgânico do corpo humano que agrupa diversas condições e expressões no terreno
das experiências vitais; nestes termos, a noção de “fisiologia” está ligada a vários
processos do organismo como um todo e engloba os instintos e a vitalidade,
incluindo os aspectos físicos e psicológicos, esta fisiologia em Nietzsche
inclusive se apresenta segundo seu diagnóstico como manifesto das construções
culturais de um povo e de determinados costumes de uma época sempre em um certo
tom de suspeita.
Com relação ao nosso problema,
que por bons motivos pode ser chamado um problema silencioso, e que de maneira
exigente se dirige a bem poucos ouvidos, é de interesse nada pequeno constatar
que, nas palavras e raízes que designam o "bom", transparece ainda
com frequência a nuance cardeal pela qual os nobres se sentiam homens de
categoria superior.. (NIETZSCHE, 2012. p. 26).
Deste
modo esta fisiologia que se manifesta em
um tipo de construção comportamental
metafisica e cultural que disponibiliza ferramentas para justificar posicionamentos
sociais e políticos por exemplo moralmente infectados, por um tipo de niilismo
que prefere acreditar no nada de que
em nada acreditar, afirmando esse nada
baseado na negação do outro como detentor destas forças ativas, o entendendo
como algo diferente das minhas características que são consideradas boas e justamente
o que acaba por determinar um modo de agir moral único. A partir disso surgem
as classificações do que se pode considerar mau ou bom seja através do aparecimento
da chamada moral de senhor e da moral de escravos disseminando estas visões em
sistemas coletivos morais fixos. Detalhando este contexto pressupomos então que
o senhor neste contexto inicial possui um tipo de ação irrefletida a partir de
si pois pode se dar ao luxo para tal e se afirma como bom pois predomina e vê o
escravo como alguém que é distante de si nas ações e nas suas possibilidades, por
isso é mau, o denominando como tal através de uma determinação de caráter traçada
pelo destino, já os considerados fracos mesmo que ainda não necessariamente
escravizados psicologicamente já antecipadamente sofrem com a atitude
irrefletida do senhor através de sua moral impositiva, como consequência deste
sofrimento os escravos ou fracos aderem um tipo de racionalidade a sua visão de
mundo e em relação a visão de mundo do
senhor ou seja ressignificam, isso despertará naquele que tem moral de senhor a
necessidade de justificar o comportamento opressivo e desta necessidade de
reação surge outro pressuposto moral a partir do senhor se pautando na seguinte
questão; cada qual cativa pra si aquilo que lhe é merecido, se procuras ser
fraco pois só podes o ser jamais poderás atrair algo de diferente para si. A
moral escrava se aproveitando deste pretexto faz surgir uma transvaloração dos
valores daquilo que pode ser considerado
bom ou mau, o escravo necessita gritantemente desta opressão ou determinação de
caráter dos senhores sobre si para poder projetar seu ressentimento através de
um subterfúgio e usar a estagnação ou inação como algo de superior e assim se
afirmarem com veemência de forma mais
perversa ; nós os fracos somos bons e
vocês são maus pois nos oprimem e isso nos garante uma identidade
diferente daqueles aos quais buscamos superar isso nos faz superiores por
sermos incapazes de reagir e ao mesmo tempo nos faz reagir da forma mais sorrateira.
Estes
são todos homens do ressentimento, estes fisiologicamente desgraçados e
carcomidos, todo um mundo fremente de subterrânea vingança, inesgotável,
insaciável em irrupções contra os felizes, e também em mascaramentos de
vingança, em pretextos para vingança: quando alcançariam, realmente o seu
último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança? Indubitavelmente, quando
lograssem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a
miséria, de modo que estes um dia começassem a se envergonhar da sua
felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: ‘é uma vergonha ser feliz!
existe muita miséria!’…” – Nietzsche, Genealogia da Moral, 3a. parte, §14.
Dito tudo isto no que
consiste o ressentimento? Se trata de sentir algo que já ocorreu e que retorna
ao nosso sentir? O entendendo nestes termos o poderíamos considerar algo
pejorativo? Será nos escritos de Duhring que Nietzsche achará de certo modo
pretextos para elaborar sua crítica ao modo de se comportar ressentido onde
Duhring trabalha aspectos ligados ao surgimento da chamada justiça, partindo da
tese de que a mesma teria sua origem em um sentimento de vingança ou um tipo de
nivelamento entre os seres sociais e de forma mecânica. Posteriormente
Nietzsche ao se deparar com as reflexões psicológicas de Dostoievski vai
expandir esta noção de ressentimento entendendo que o ressentimento pode sim
ser utilizado não como um movimento mecânico, mas como um tipo de má digestão psíquica
que pode se tornar como um tipo dispepsia de ordem criativa desembocando no
alvo de seu apontamento de que há vontade de potência em todo tipo de
comportamento moral sobretudo na moral ressentida. Fazendo um paralelo com a
nossa cultura em transição porém vigente trago um resumo de um trecho de Assim Falava
Zaratustra que aborda uma reflexão de acordo com nossa interpretação que afirma
que não há uma relação com condições de raça ou relações sociais como por
exemplo na relação empregado ou empregador e sim com o modo de se relacionar
com o que acontece fora de si com o diferente ou seja a capacidade de rir
destas contradições e aceitá-las dilui-las no organismo para um modo de vida
saudável o que coloca por terra de certa forma que o pensamento de Nietzsche consideraria
estratificações sociais como determinantes dentro do contexto de sua crítica a
moral dos fracos e fortes e se pudéssemos falar em algum tipo de determinação
do homem essa se daria através do jogo e poder no sentido de se afirmar como
podem se afirmar, através daquilo que Nietzsche chamará de vontade de potência
presente em qualquer organismo vivo.
Nietzsche e Marx um diálogo
possível?
Diante deste contexto já abordado e agora diante destes dois
pensadores, podemos inicialmente notar que ambos compartilham de uma mesma
experiência histórica, representam uma mudança decisiva no modo de compreender
o homem, a cultura, a sociedade e o poder. Mas o que há de mais peculiar, é
que possuem uma perspectiva muito próxima referente a constituição do sujeito e
do pensamento. Marx e Nietzsche concordariam que o ser humano não é algo
acabado, fixo e que não há uma natureza humana inata. O homem não é fruto de um
ideal autossuficiente e incondicionado. Dentro deste contexto como poderíamos traçar aspectos relacionais mesmo
que breves que nos coloque em uma relação paradoxal, porém não menos necessária
entre Nietzsche, Marx e o anti-intelectualismo vigente?
Mas antes precisamos falar um
pouco sobre Marx, é notável que diante de um dos diagnósticos marxianos como
possibilidade, falo em possibilidade pois Marx considera duas vias possíveis
dentro de sua proposta. por exemplo no panfleto do manifesto comunista, texto
fundamental pra entender a linha de raciocínio marxiana, diante de uma possível
superação dos aspectos de classe, que são; a revolução do proletariado ou a
inexistência de qualquer tipo de reação daqueles que se consideram oprimidos e como
consequência a anulação da classe do proletariado. Para Nietzsche este
comportamento “revolucionário” seria um tipo de manifestação de uma má digestão
psicológica de um povo oprimido que se considera ou quer se considerar bom ou
superior por conta das divergências e diferenças em relação a aquele que o
oprime, então aqueles que além de possuírem moral de escravos( proletariado)
por terem sofrido um tipo de derrota histórica e se tornarem ressentidos( o que
não faz automaticamente daqueles que estão na predominância a época da crítica
de Marx sujeitos com valores mais interessantes para Nietzsche) com valores que
nutrem um tipo de movimento fisiológico doente que tenta se afirmar acerca do
mundo da maneira que pode, ainda assim direcionando sua vontade de potência diante
daquilo que não faz parte do seu contexto hereditário de constituição fisiológica
e passa a entender algo fora si de forma
odiosa, e isso também serve para a relação inversa ou seja a visão da burguesia
em relação ao proletariado.
Até
agora os homens sempre formaram ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que
são ou deveriam ser. Organizaram suas relações mútuas em função das
representações de Deus, do homem normal etc., que aceitavam. estes produtos do
seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores inclinaram-se perante
suas próprias criações. Libertemo-los, portanto, das quimeras, das ideias, dos
dogmas dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. (Marx- Ideologia alemã,
pág. 5)
Pressupomos que Nietzsche
entenderia este diagnóstico de Marx como um tipo de idealismo imanente que nega
possivelmente a vitalidade como característica primordial para toda a história
a humanidade através de uma diminuição do homem que nega para si uma vida
saudável e que se nega a afirmar a bestialidade a afirmando apenas naquele que o
domina, deixando claro que isso serve aqui tanto para a crítica aos possíveis
revolucionários inspirados por Marx tanto quanto para aqueles que tentaram
manter sua hegemonia neste período de análise marxiana a qualquer custo, ou
seja os “privilegiados” neste contexto histórico a partir de 1848 data de
publicação de o manifesto do partido comunista. Pertinente a esta
contextualização poderíamos fazer um paralelo do que seria interpretar a realidade
para Nietzsche e para Marx, em Nietzsche a interpretação é sempre inacabada o
que acaba constituindo um tipo de aporia dentro da possibilidade de se
constituir um tipo de “realidade” e dito isto interpretando uma das frases mais
famosas de Marx “é preciso não só interpretar o mundo mas muda-lo” haveria uma
distinção clara entre interpretar e a possibilidade de mudar a realidade. Porém
neste contexto tomamos a famosa frase como uma crítica a postura filosófica
daquele tempo e dentro da crítica epistemológica que Marx pretendia fazer a
esta mesma postura econômica e política ele sempre se refere a ela como um modo
de interpretar nocivo pois esta postura tomava o mundo através de um tipo de
significação e a interiorizava como uma apreensão da realidade como regra, eis
aqui mais uma aproximação entre estes dois pensadores o problema de totalizar
um sentido través do observador.
Há um outro problema diante das interpretações
das determinações históricas em Marx que tendem a ser limitadas por seu período
de análise e suas categorias ligadas ao contexto do materialismo histórico que
acaba por criar espantalhos aterrorizantes acerca do suposto “marxismo cultural”
que termina por direcionar análises precipitadas e que terminam conduzindo
nossos compatriotas adeptos de um tipo de populismo de direita anti-intelectual.
para agirem de forma igualmente ressentida dentro do nosso contexto atual
político brasileiro, através de justificativas obscurantistas, uma delas afirma
que o marxismo cultural seria um tipo de exercício de dominação cultural
massificadora. Há sim até pressupostos válidos nesta afirmação, a grosso modo sim
a proposta de Marx em seu materialismo histórico era de uma possibilidade de
influência cultural de conscientização populacional da condição alienadora do
trabalhador e que incitava um modo de se comportar reativo, porém este contexto
de análise foi constituído no período de análise em que Marx pode ver ou seja
ele não pode ver a solidificação do contexto capitalista e toda a sua teoria
não daria conta de uma análise de
conjuntura atual, porém isso é muito diferente de dizer que suas contribuições
são descartáveis e ainda mais perverso entender toda a riqueza de pensamento
contida em sua teoria como algo estático pois seu método epistemológico invoca
sempre uma constante mudança de perspectiva de acordo com o período mais
complexo em atividade que chamaremos aqui de presente para o mais simples,
passado.
Colocadas as devidas críticas
parciais que Nietzsche faz as vertentes de pensamentos influenciadas por Marx,
devemos agora reconhecer certos determinismos que descaracterizam tanto a
filosofia do próprio Marx tanto quanto uma aproximação epistemológica entre
estes dois pensadores alemães tão antagônicos, o que na nossa visão empobrece
uma visão teórica e política mais profunda. Em Marx não há determinação teórica,
um erro grave cometido por interpretes simplórios ou mal-intencionados, o que
há é uma determinação da análise histórica de acordo com o período analisado
por Marx, para Marx assim como para Nietzsche não poderíamos cristalizar
sentidos interpretativos de determinados contextos históricos ou através de
deslocamentos de interpretações de um determinado contexto histórico para outro,
para Marx é necessário analisar o contexto histórico de acordo com a atualidade
sempre em deslocamento do período mais complexo para o período mais simples ou
seja questionando o passado a partir daquilo que nos tornamos hoje, procurando
a fundo as constituições das relações sociais econômicas e políticas. Nietzsche
por sua vez não busca uma aceitação transportada de interpretações
estabelecidas como fixação através de uma moral imaginária que acaba por se
tornar um tipo de ética real, mas sim fazer uma genealogia dos sentidos
interpretativos e históricos como se constituíram como se transvaloraram e como
podemos transvalora-los pra podermos assumir uma perspectiva de não negação da
vida saudável assumindo a nossa constituição fisiológica que tende a se afirmar
por vezes de forma violenta inclusive em relação a nós mesmos e como talvez poderíamos
lidar com isso, uma afirmação de Nietzsche que resume bem o contexto de nossa
análise é; que o homem mais forte é aquele que não se importa com as pragas que
o atormentam e o mais fraco aquele que se vinga imaginariamente delas.