domingo, 8 de maio de 2016

Jean Paul Sartre - O existencialismo é um humanismo

  "O existencialismo é um humanismo", é um texto escrito por Jean Paul Sartre no ano de 1946, visando esclarecer o pensamento existencialista e principalmente defendê-lo de uma série de criticas. Nele, Sartre começa relatando as críticas dos comunistas, que acusavam o existencialismo de incitar as pessoas a permanecerem no imobilismo do desespero; de ser uma filosofia contemplativa, o que necessariamente o reconduziria a uma filosofia burguesa; de enfatizar a ignomínia (vergonha) humana e de negar a solidariedade humana. Sartre ainda dá destaque para as críticas cristãs, que os acusavam de negar a realidade e seriedade dos empreendimentos humanos, já que supriminndo os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, restaria apenas a pura gratuidade, onde cada qual poderia então fazer o que quiser, sendo impossível a partir de um ponto de vista pessoal condenar os pontos de vistas alheios tal qual os seus atos. 

     Após expor tais críticas, Sartre tenta explicar em que sentido eles(s) entendia(m) o existencialismo, numa tentativa de responder as acusações feitas acima. Ele começa afirmando que o concebia como uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana. Segundo Sartre, existem dois tipos de existencialismo: O existencialismo cristão e o existencialismo ateu, que segundo ele é o mais coerente. Entre o existencialismo cristão e o existencialismo ateu, o único ponto de concordância é o de que a existência precede a essência, ou seja, que é necessário partir de uma subjetividade. Porém, Sartre crítica o existencialismo cristão, destacando sua incoerência em relação à subjetividade. Em uma analogia, Sartre compara Deus com um artífice que ao fabricar um objeto sabe exatamente para qual finalidade o está fabricando, ou seja, já possui uma utilidade definida. Desse modo é impossível relacionar a finalidade do ser com a sua subjetividade, tendo em vista que a finalidade é algo necessariamente objetivo e se opõe totalmente ao conceito de subjetividade. Por outro lado, o existencialismo ateu, dito por Sartre como o mais coerente e por ele defendido, declara que Deus não existe e que a existência precede a essência. Desse modo, primeiro é necessário o ser existir para só depois poder ser definido por qualquer conceito. Isto significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo, e somente depois se define. Logo, não há natureza humana, visto que não há Deus (artífice) para concebê-la. Sendo assim, o homem é simplesmente aquilo que ele faz de si mesmo, não sendo nada mais do que isso. O homem é antes de tudo um projeto que vive subjetivamente, nada existe anteriormente a ele, de modo que o homem será antes de qualquer coisa, aquilo que ele escolher ser. Assim, o primeiro esforço do existencialismo, segundo Sartre, é o de colocar o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. 

         Neste sentido, Sartre afirma que o homem não é apenas responsável unicamente por si, mas que também é responsável por todos os homens. Ele afirma ainda que a palavra "subjetivismo" possui dois significado: Escolha do sujeito individual por si próprio e impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. E é nesse segundo sentido, segundo Sartre, que se constitui o sentido profundo do existencialismo: "Ao afirmamos que homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas, queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens". Desse modo, todos os nossos atos que criam o homem que queremos ser, estão simultaneamente criando a imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo em que moldamos nossa imagem, essa imagem é valida para todos e para toda nossa época. Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. 

         Porém, quando o individuo se der conta de que ele não é apenas aquele que ele escolheu ser, mas também é um legislador que escolhe a si e a humanidade inteira, este não consegue escapar do sentimento de sua total e profunda responsabilidade, envolvida pelo sentimento de angustia, desamparo e desespero. Tudo se passa como se a humanidade inteira estivesse com os olhos fixos em cada homem e se regrasse por suas ações. E cada homem deve perguntar a si próprio: sou eu, realmente, aquele que tem o direito de agir de tal forma que os meus atos sirvam para toda a humanidade? Todos vivem essa angustia e apesar de que alguns a disfarça, para Sartre, estes são os mascarados que agem de má fé, que pensam que suas ações envolvem apenas eles enquanto indivíduos, e quando são confrontados com a pergunta: e se todos fizessem o mesmo?, eles encolhem os ombros e respondem: nem todos fazem o mesmo. Ao que ele afirma: "Aquele que mente e que se desculpa dizendo: Nem todo mundo faz o mesmo, é alguém que não está em paz com a sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira, mesmo quando ela se disfarça, a angustia aparece. Para Sartre, essa angustia não conduz a inatividade, a inação, pelo contrario, essa angustia é a própria condição da ação, que se orienta pela pluralidade de possibilidades, sentida por todos que já vivenciaram responsabilidades, e quando escolhem uma opção se dão conta que ela só tem valor por ter sido escolhida. Ao falar de desamparo, Sartre cita o pensamento de Dostoievski: " Se Deus não existe, tudo é permitido", afirmando ser este o ponto de partida do existencialismo. De fato, segundo ele, tudo é permitido, e por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio e nem fora dele, nada para se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referencia a uma natureza humana dada e definitiva, ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, sendo Deus inexistente, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós nem na nossa frente, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas, condenados à liberdade. Condenado porque não nos criamos a nós mesmo, e como no entanto, somos livres, uma vez lançado no mundo, somos responsáveis por tudo que fazemos, e aqui se configura o terceiro sentimento, o sentimento de desespero. 

            Após essa série de esclarecimentos, Sartre acredita ter respondido às criticas feitas pelos comunistas e cristãos. Salientando mais uma vez que o existencialismo não pode ser considerado como uma filosofia da quietude, já que define o homem pela ação; nem como uma descrição pessimista do homem: "Não existe doutrina mais otimista, visto que o destino do homem está em suas próprias mãos"; nem como uma tentativa de desencorajar o homem a agir: "O existencialismo diz-lhe que a única esperança está em sua ação, e que só o ato permite o homem a viver”. Porém, apesar de tudo, o existencialismo ainda era acusado de aprisionar o homem na sua subjetividade, acusação esta que Sartre associou a uma má interpretação.  Ele, em resposta a esta acusação, assume mais uma vez que o existencialismo de fato tem como ponto de partida a subjetividade do individuo, justamente por ser uma doutrina que tem como base a verdade, realista, contrária às teorias utópicas, bonitas, baseadas em esperanças, mas se fundamentos reais. Como ponto de partida, Sartre afirma que não poderia existir outra verdade se não esta: penso logo existo; pois é aqui que o ser apreende a verdade absoluta da consciência e toda teoria que considera o homem fora desse momento em que ele apreende a si mesmo é, de partida, uma teoria que suprime a verdade, pois, fora do cogito cartesiano, todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de probabilidades que não estejam ancoradas na verdade, desmoronam no nada. Porém, essa subjetividade não é rigorosamente individual porque, como diz Sartre, demonstramos que no cogito nós não descobrimos só a nós, mas também aos outros. Nestas condições, a descoberta da minha intimidade descobre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim (já que também sou livre), que nada pensa ou quer senão a favor ou contra mim. Assim, descobre-se imediatamente um mundo que Sartre chamou de intersubjetividade, sendo neste mundo onde o homem decide sobre o que ele é e o que os outros são. Por consequência, todo projeto, por mais individual que seja, tem um valor universal, e é compreensível para todo homem, não o definido, mas podendo se reconhecido. Neste sentido, pode-se dizer que há uma universalidade no homem; mas ela não é dada, é indefinidamente construída. Constrói-se o universal, escolhendo-se, compreendendo o projeto de qualquer outro homem, seja qual for a sua época. 

             Sartre finaliza seu ensaio falando acerca do humanismo e fazendo a relação deste com o existencialismo. Ao falar sobre o humanismo, ele destaca que existem dois tipos destes, um humanismo que toma o homem como meta e como valor superior, este totalmente rejeitado por ele, e outro que no fundo é o seguinte: o home está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se para fora de si que faz com que o homem exista; por outro lado, é perseguindo objetivos transcendentes que ele pode existir. Não existe outro universo além do universo humano, o universo da subjetividade. Este é o humanismo que Sartre adota, e é a este vinculo entre a transcendência e a subjetividade que Sartre chama de humanismo existencialista. Humanismo porque não há outro legislador além dele próprio e que é no desamparo que ele decidirá por si mesmo, mas, voltando sempre para fora de si, vivendo o mundo dos meios, porém, buscando fora de si o fim. Concluindo, Sartre afirma que o existencialismo é um esforço para tirar todas as consequências de uma posição ateia coerente. O seu objetivo não é mergulhar o homem no desespero, mas, ele parte do desespero original do homem, que é a atitude de descrença. Segundo Sartre, o existencialismo não é um ateísmo no sentido de que se esforça para por demonstrar que Deus não existe. Ele afirma que o problema não está em sua existência, mas em que o homem deve se reencontrar e se convencer que nada pode salvá-lo de si mesmo, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus

sábado, 7 de maio de 2016

Hegel a Idéia, A Natureza , O Espírito.

A Idéia, A Natureza, O Espírito
Os três grandes momentos hegelianos no devir dialético da realidade são a idéia, a natureza, o espírito. A idéia constitui o princípio inteligível da realidade; a natureza é a exteriorização da idéia no espaço e no tempo; o espírito é o retorno da idéia para si mesma. A primeira grande fase no absoluto devir do espírito é representada pela idéia, que, por sua vez, se desenvolve interiormente em um processo dialético, segundo o sólito esquema triádico (tese, antítese, síntese), cujo complexo é obejto da Lógica; a saber, a idéia é o sistema dos conceitos puros, que representam os esquemas do mundo natural e do espiritual. É, portanto, anterior a estes, mas apenas logicamente.
Chegada ao fim de seu desenvolvimento abstrato, a idéia torna-se natureza, passa da fase em si à fase fora de si; esta fase representa a grande antítese à grande tese, que é precisamente a idéia. Em a natureza a idéia perde como que a sua pureza lógica, mas em compensação adquire uma concretidade que antes não tinha. A idéia, todavia, também na ordem da natureza, deveria desenvolver-se mais ou menos, segundo o processo dialético, das formas ínfimas do mundo físico até às formas mais perfeitas da vida orgânica. Esta hierarquia dinâmica é estudada, no seu complexo, pela Filosofia da natureza.
Finalmente, tendo a natureza esgotado a sua fecundidade, a idéia, assim concretizada, volta para si, toma consciência se si noespírito, que é precisamente a idéia por si: a grande síntese dos opostos (idéia e natureza), a qual é estudada em seus desenvolvimentos pela Filosofia do Espírito. O espírito desenvolve-se através dos momentos dialéticos de subjetivo (indivíduo), objetivo (sociedade), absoluto (Deus); este último se desenvolve, por sua vez, em arte (expressão do absoluto na intuição estética), religião (expressão do absoluto na representação mítica), filosofia (expressão conceptual, lógica, plena do absoluto).
Com o espírito subjetivo, a individualidade empírica, nasce a consciência do mundo. O espírito subjetivo compreende três graus dialéticos: consciência, autoconsciência e razão; com esta última é atingida a consciência da unidade do eu e do não-eu. O espírito subjetivo é estudado, em sentido vasto, pela psicologia, que se divide em antropologia, fenomenologia do espírito, psicologia propriamente dita. Não estando, pois, o espírito individual em condição de alcançar, no seu isolamento, os fins do espírito, de realizar a plena consciência e liberdade do espírito, surge e se afirma a fase do espírito objetivo, isto é, a sociedade. No espírito objetivo, nas concretizações da sociedade, Hegel distingue ainda três graus dialéticos: odireito (que reconhece a personalidade em cada homem, mas pode regular apenas a conduta externa dos homens); amoralidade (que subordina interiormente o espírito humano à lei do dever); a eticidade ou moralidade social (que atribui uma finalidade concreta à ação moral, e se determina hierarquicamente na família, na sociedade civil, no estado).
A sociedade do estado transcende a sociedade familiar bem como a sociedade civil, que é um conjunto de interesses econômicos e se diferencia em classes e corporações. O estado transcende estas sociedades, não porque seja um instrumento mais perfeito para a realização dos fins materiais e espirituais da pessoa humana (a qual unicamente tem realidade metafísica); mas porque, segundo Hegel, tem ele mesmo uma realidade metafísica, um valor ético superior ao valor particular e privado das sociedades precedentes, devido precisamente à sua maior universalidade e amplitude, isto é, é uma superior objetivação do espírito, segundo a metafísica monista-imanentista de Hegel, daí derivando uma concepção ético-humanista do estado, denominada por Hegel espírito vivente, razão encarnada, deus terreno.
Segundo a dialética hegeliana, naturalmente a sucessão e o predomínio dos vários estados na história da humanidade são necessários, racionais e progressivos; e necessária, racional e progressiva é a luta, a guerra, grças à qual, ao predomínio de um estado se segue o predomínio de um outro, a um povo eleito sucede um outro. Este, no fundo, tem razão sobre o vencido unicamente porque é vencedor, e aquele tem culpa unicamente porque é vencido. A história do mundo - com todo o mal, as injustiças, os crimes de que está cheia - seria destarte o tribunal do mundo. (O que se compreende, quando se faz coincidir o "ser" com o "deve ser", como acontece de fato no sistema hegeliano, graças à dialética dos opostos, em que os valores - verdadeiro-falso, bem-mal, etc. - são nivelados, porquanto igualmente necessários para a realização da idéia).
Se bem que no sistema hegeliano a vida do espírito culmine efetivamente no estado, põe dialeticamente acima do espírito objetivo o espírito absoluto, em que, através de uma última hierarquia ternária de graus (arte, religião, filosofia), o espírito realizaria finalmente a consciência plena da sua infinidade, da sua natureza divina, em uma plena adequação consigo mesmo.
Na arte o espírito tem intuição, em um objeto sensível, da sua essência absoluta; quer dizer, o belo é a idéia concretizada sensivelmente. Portanto, no momento estético, o infinito é visto como finito. Na religião, pelo contrário, se efetua a unidade do finito e do infinito, imanente no primeiro; mas em forma sentimental, imaginativa, mítica. Hegel traça uma classificação das religiões, que não passa de uma história das mesmas, segundo o seu sólito método dialético. Nessa classificação das religiões o cristianismo é colocado no vértice como religião absoluta, enquanto no ministério da encarnação do Verbo, da humanação de Deus, ele vê, ao contrário, a consciência que o espírito (humano) adquire da sua natureza divina.
Acima da religião e do cristianismo está a filosofia, que tem o mesmo conteúdo da religião, mas em forma racional, lógica, conceptual. Na filosofia o espírito se torna inteiramente autotransparente, autoconsciente, conquista a sua absoluta liberdade, infinidade. Como as várias religiões representam um processo dialético para a religião absoluta, assim, os diversos sistemas filosóficos, que se encontram na história da filosofia, representariam os momentos necessários para o advento da filosofia absoluta, que seria o idealismo absoluto de Hegel.

Spinoza- Potência

Em sua tese Spinoza apresenta o corpo de forma bem diferente de como o viam até então; ele afirma que não há diferença de natureza entre o corpo e a alma e sim, que esses dois corpos constituem juntos um único ser. Com essa afirmação ele vai contra todo um pensamento antigo que valorizava essa dualidade, onde normalmente havia presente a intenção de desvalorização do corpo e o enobrecimento da alma. Como exemplo podemos citar Descartes, que dizia: "O que é ação para alma, tem que ser padecimento para o corpo". Para Spinoza se o corpo sofre, a alma é miserável, também sofre.

Em um primeiro momento, quando Spinoza fala sobre paralelismo psicofísico ele quer valorizar o corpo dizendo que não existe alma sem corpo. Mas ele também diz num segundo momento que não existe corpo sem alma; ou seja, para ele a alma é o espírito do corpo. Assim sendo, o que for ação para um determinado corpo é igualmente ação ou paixão para o espírito daquele corpo. Com isso ele consegue dar fim à dualidade.

Spinoza pensa o corpo e a alma na imanência e não na transcendência, onde a tendência é a divinização do espírito. Ele mostra com isso, como todo ser humano reluta em aceitar o que existe de fato, o que é, e por isso tenta usar a transcendência para fugir dessa realidade, e acaba sempre procurando um ideal que não existe, que é fantasiado.

O filósofo nos mostra um caminho ético e mais digno de vivermos sendo o que somos, nos assumindo com nossos próprios problemas, e prendendo a fazer assim um estilo de vida mais saudável e produtivo. Como diz um cantor brasileiro: "cada um sabe a dor e delícia de ser o que é", ou ao meu ver, deveríamos ao menos tentar saber. É isso que Spinoza nos estimula a fazer, sejamos o que somos e aprendamos a sermos felizes assim! Não que a vida seja só alegria, muito pelo contrário, os problemas continuam e continuarão sempre existindo enquanto houver vida. Para Spinoza, um verdadeiro problema é aquele cuja solução é sempre uma invenção. Assim, viver é problematizar, vida passa a ser posição de problemas. Ou seja, sonhar com uma vida sem problemas é o mesmo que sonhar com a morte. É acabar com a vida que se tem. O mais importante e difícil nisso tudo é: saber discernir os problemas reais e vitais, dos falsos problemas.

Já sabemos então que para Spinoza corpo e alma são a mesma coisa, juntos formam um único ser com a mesma natureza. A partir daí ele conclui que o espírito nada mais é que a idéia do corpo. Para ele, idéia é um modo do pensamento, e todo corpo é representado por uma idéia, que é também um modo da expressão. E, como expressão do pensamento, todas as idéias são maneiras de pensar, ou seja, modo do pensamento. Ele cria assim a noção de corpo-idéia como sendo tudo que existe, porque na sua visão tudo que imaginamos, sonhamos, pensamos, sentimos, são idéias (modo do pensamento), e tudo que percebemos como estando fora de nós, tem uma extensão que é corpo (modo da extensão). Spinoza diz também que o pensamento e a extensão nada mais são que atributos da natureza, que para ele significa Deus. Resumindo isso, Spinoza vê o homem como sendo modos de dois atributos de Deus: modo do pensamento e da extensão. Assim, para ele nós estamos em Deus e Deus é espírito, que para ele nada mais é que a expressão da matéria, que é o que ele chama de idéia.

Para entendermos potência segundo Spinoza, podemos partir de sua definição de Deus como sendo um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância com infinitos atributos onde cada atributo expressa uma essência eterna e infinita. Essa essência eterna e infinita que os atributos de Deus expressam é a potência de Deus, ou seja, essência e potência são sinônimas.
Temos que pensar a essência como potência, singularizando a essência de cada coisa, assim tornamos a potência como sendo única e, conseqüentemente nos tornamos também diferente e única cada coisa existente na natureza. Com isso podemos dizer que a potência de cada coisa, de cada ser é única, e assim sendo nossa essência enquanto potência não pode ter uma forma, pois assim não haveria identidade de cada ser. Spinoza diz então, que nossa essência enquanto potência é uma força, uma intensidade.

Pensando dessa maneira mudamos toda uma maneira de pensar no indivíduo humano. Agora o que vai ser importante é conhecer a potência de cada ser, a essência de cada ser. E Spinoza diz: "tudo que digo que sou é fruto do exercício da minha potência, mas não sou tudo que digo que sou porque sou em essência uma potência". Podemos dizer então que cada ser pode se expressar de mil e uma formas, e que essa expressão vai variar de acordo com a potência de cada ser, ou seja, o modo de ser de alguma coisa não é sua forma e sim sua potência. E a potência dessa coisa, ou desse ser, só é conhecida no exercício dessa coisa ou desse ser.

Como vimos, a potência de Deus é infinita e a nossa potência finita, passa a ter um limite no momento em que somos finitos. Porém esse limite não é algo pré-fixado pela forma, e sim um limite do exercício da nossa potência. Assim, a idéia de limite é extremamente flexível e variável. Não podemos então saber tudo o que podemos, temos que exercitar essa potência que somos, e ir conhecendo aos poucos o que pode nossa essência, nosso ser. Viver passa a ser um grande aprendizado de nos conhecermos e nos experimentarmos através da vida e das relações que dentro dela compusermos.

Tudo na vida passa a ter uma potência, e tentando juntar isso com o conceito de liberdade dado por Spinoza, onde ele diz que: liberdade seria exercitar nossa potência até o limite, nos deparamos com um enorme problema dentro da nossa sociedade moralista. Assim podemos ver que liberdade se opõe a constrangimento, e que se queremos ser livres e éticos perante a vida, devemos agir nos agenciando com outras potências, numa relação produtiva que faça expandir nossa potência, e também evitando aquelas potências que constrangem, que diminuem a nossa potência, e com isso, nossa liberdade de expressão.

Spinoza também mostra uma coisa inteiramente nova para época em que vivia que é a idéia de inconsciente. Ele já havia mostrado e deixado bem claro que nós não temos conhecimento do que pode um corpo partindo do princípio de potência que somos, que desconhecemos nossa potência de agir. E com isso, o mesmo raciocínio pode existir sobre o espírito, e concluir que, assim como a potência de agir de um corpo é desconhecida por nós, a potência de pensar do espírito é inconsciente para nós. O inconsciente que Spinoza fala é potência de pensar, ele diz que pensar é um exercício, uma força, e que é inconsciente. A consciência apenas percebe essa força, e a partir daí, ela é expressa e se torna consciente.

Spinoza diz que exercer a potência do corpo é exercer igualmente a potência de pensar. Com isso para ele não há diferença entre agir e pensar, agir e pensar andam sempre juntos, podemos exemplificar isso com a seguinte frase: "Diga-me como tu pensas que lhe direi quem és". A maneira de ser de alguém é a alma ou o espírito desse alguém.

Quando Spinoza fala das relações e experimentações dos corpos, ele diz que é assim que nos diferenciamos no mundo. Ou seja, é na maneira de se dar nos encontros e de fazer as relações, como nos comportamos diante desses corpos e encontros que vamos criamos nossa identidade.

Ele diz que o indivíduo idéia-corpo é constituído por outros corpos que entram na sua composição e, que esses corpos nada mais são que partículas infinitamente pequenas que só se distinguem umas das outras através de relações. Assim sendo Spinoza pensa num plano de composição de corpos existentes, ou seja, ele pensa em uma física, num mundo quântico em pleno século XVII. A distinção das coisas vem a partir das relações, e não da matéria em si.

A distinção está na composição da matéria. Os corpos então se compõe e se distinguem nas relações, relações estas que são eternas assim como as partículas que as constitui, onde o que é durável e precário são os compostos, as composições entre corpos. Esses corpos, compostos de partículas infinitamente pequenas podem, a partir do tipo de encontro e de relação, compor ou decompor algo.

Então ele acrescenta que a potência de qualquer coisa possui um poder de ser preenchido, que ele chama de: poder de ser afetado, que se dá nas relações. Relações estas de movimento-repouso, velocidade-lentidão.

Esse poder de ser afetado é sempre preenchido por relações que são: afecções e afetos. Quando um corpo X age sobre outro corpo Z, o corpo X produz uma marca, um traço no corpo Z, diz-se então que Z foi afetado por X, essa marca no corpo Z é uma afecção.
Com isso, Spinoza passa a acrescentar uma nova definição do corpo onde ele diz que, um corpo se define pela capacidade de ser afetado. Essa capacidade é altamente variável, de acordo com a forma como agimos diante desse afeto, e com isso é capaz de alterar o grau de nossas potências de agir e de pensar.

Para nos relacionarmos precisamos de encontros, e Spinoza diz que a ética consiste em nos esforçar na organização desses encontros para que eles sejam positivos. O índice em nós para sabermos se o encontro foi bom ou ruim é o que ele define como sendo afeto.
Afeto é então definido como uma variação intensiva, uma quantidade intensiva, que está diretamente relacionada com o aumento ou diminuição das nossas potências.

Spinoza nos fala de dois afetos, ou paixões primárias da alma, que são: a alegria e a tristeza. A alegria é o afeto que aumenta nossa potência de agir, seria uma variação intensiva positiva, para mais. Já a tristeza é o afeto que faz com que aconteça uma diminuição da nossa potência de agir. Podemos dizer então que a alegria está ligada à expansão, e a tristeza ao constrangimento. Os outros afetos variam desses dois.

A nossa resposta a esses afetos é o que vai diferenciar se estamos agindo passivamente, apenas reagindo à afecção que o outro nos causou, ou ativamente, levando-nos a refletir dentro da relação, tentando entendê-la, e fazer desse encontro algo produtivo que faça a expansão de todos os corpos dentro dessa relação, compondo verdadeiramente uma relação. Isso é o que Spinoza chamaria de um bom encontro.

O que realmente distingue uma afecção de ser passiva ou ativa será sua causa, ou seja, quando a afecção que preenche o poder de ser afetado de uma potência for produzida pelo próprio agente, podemos chamar a afecção de ativa, podemos dizer que aí se deu a verdadeira expressividade, é quando conseguimos no auto-afetar; e, quando for produzida por um outro, ela será uma afecção passiva.

Por isso tudo, a grande conclusão que chego com esse belo aprendizado e conhecimento adquirido com a filosofia de Spinoza é que seus pensamentos são extremamente coerentes com a natureza humana e bastante simples na sua essência de pensar, mas na prática ainda fica muito difícil de se aplicar todo esse conhecimento em nossa vida. Estamos hoje diante de um mundo onde há uma inversão enorme de valores em quase todos os campos que conhecemos. Porém, acredito que se insistirmos no exercício dessa filosofia, se cada ser alcançar esse pensamento em sua essência, quem sabe assim, ainda haja tempo para repararmos o que tem sido decomposto por nós mesmos.

Que nós sejamos capaz de cuidar mais dos encontros e de sua organização para tentar mudar o rumo para o qual temos levado nosso planeta, e tentar fazer com que nossa natureza não se extinga de vez.

Alain Badiou - O amor é a verdadeira revolução

Alain Badiou, 75 anos, venerável maoísta e participante do 1968, e que na França é uma figura tão controversa que a revista Marianne lhe dedicou um artigo intitulado "Badiou: o astro da filosofia é um bastardo?", sorri na sala do seu apartamento parisiense. "Todos dizem que o amor é encontrar a pessoa certa para mim, e depois tudo vai ficar bem. Mas não é bem assim. Isso envolve trabalho. É um homem idoso que lhes diz isso!".

Em seu novo livro, Elogio dell'amore (Ed. Neri Pozza, 160 páginas), Badiou escreve: "Só uma vez na minha vida eu renunciei a um amor. Foi o meu primeiro amor, e depois, gradualmente, eu percebi que esse passo tinha sido um erro. Eu tentei recuperar aquele amor inicial tardiamente, tarde demais – a morte da minha amada estava se aproximando –, mas com uma intensidade e um senso de necessidade únicos". Essa renúncia e a tentativa de recuperação marcaram todas as relações amorosas do filósofo: "Houve dramas, dores de amor e dúvidas, mas eu nunca abandonei um amor de novo. E eu me sinto realmente encorajado pelo fato de que as mulheres que amei eu as amei para sempre".

Mas faz sentido se envolver nesta época de prazeres preconfeccionados e de amantes facilmente descartáveis? "Não! Eu insisto nisto: resolver os problemas existenciais do amor é a grande alegria da vida", diz o escritor.

Penso na distinção descrita por Badiou em Elogio dell'amore. "Enquanto o desejo se foca no outro, sempre de uma forma um pouco fetichista, em objetos específicos como seios, nádegas e pênis, o amor se foca no próprio ser do outro, no outro da forma como ele irrompeu, completamente armado com o seu ser, na minha vida, que, por consequência, é perturbada e remodelada".

Em outras palavras, o amor é, em muitos aspectos, o oposto do sexo. Segundo Badiou, o amor é o que acontece depois da irrupção causal e perturbadora na nossa vida. Ele expressa isso de uma forma filosófica: "A absoluta contingência do encontro assume a aparência de destino. A declaração de amor marca a transição do acaso ao destino, e é por isso que ela é tão arriscada e tão cheia de uma espécie de horripilante medo de desempenho". O trabalho do amor consiste em derrotar esse medo. Badiou cita Stéphane Mallarmé, que via a poesia como o "acaso derrotado, palavra após palavra". Uma relação amorosa é semelhante: "No amor, a fidelidade significa essa vitória estendida: a casualidade de um encontro derrotada dia após dia pela invenção de algo que irá durar", escreve Badiou.

Certamente, com o seu elogio da fidelidade, ele parece um homem fora do seu tempo. "Em Paris, hoje, metade dos casais não ficam juntos mais do que cinco anos", diz. "Isso é triste, porque eu acho que muitas dessas pessoas não conhecem a alegria do amor. Eles conhecem o prazer, mas todos sabemos o que Lacan disse sobre o prazer sexual".

De fato, segundo o psicoterapeuta Jacques Lacan, a relação sexual não existe. Lacan defendia que a realidade se coloca em uma dimensão narcisista, o que liga imaginários. "Até certo ponto, eu concordo com ele. Se você se limita ao prazer sexual, é algo narcisista. Você não se conecta com o outro; você tira dele o prazer que quer".

Mas uma pergunta: o hedonismo desencadeado pelos episódios do Maio francês, do qual Badiou participou, não estava centrado na libertação das convenções sociais? Como é possível que hoje ele teça elogios de noções burguesas, como compromisso e felicidade conjugal? "Bem, eu concordo absolutamente que o sexo precisa ser liberto da moral. Não vou falar contra a liberdade de fazer experiências sexuais como faria um velho estúpido – un vieux connard –, mas, libertando a sexualidade, você não resolve os problemas do amor. É por isso que eu proponho uma nova filosofia do amor, segundo a qual você pode evitar problemas ou trabalhar para resolvê-los".

Mas, afirma, esquivar os problemas do amor é exatamente o que fazemos na nossa sociedade, adversa ao risco e "compromissofóbica". Badiou ficou impressionado com os slogans do site de encontros francês Méetic como "Encontre o amor perfeito sem sofrer" ou "Ame sem se apaixonar". "Para mim – afirma – esses cartazes destroem a poesia da existência. Eles tentam suprimir a aventura do amor. A ideia deles é que você calcule quem tem os seus mesmos gostos, as mesmas fantasias, os mesmos tipos de férias, quem quer o mesmo número de filhos. O Méetic tenta voltar para casamentos arranjados – não pelos pais, mas pelos próprio amantes". Mas isso não vai ao encontro de uma demanda? "Certamente. Todo mundo quer um contrato que os proteja contra os riscos. Mas o amor não é isso. Você não pode comprar alguém que lhe ame. Sexo sim, mas não alguém que lhe ame".

Para Badiou, o amor está se tornando um bem de consumo como qualquer outro. O ativista antiglobalização José Bovéescreveu um livro intitulado O mundo não é uma mercadoria(Ed. Unesp). O livro de Badiou, em certo sentido, é a sua continuação e poderia ter sido intitulado "O amor também não é uma mercadoria". Isso faz dele um velho romântico? "Eu acho que o romantismo é uma reação contra o classicismo. O romantismo exaltava o amor contra os clássicos casamentos arranjados – daí l'amour fou, o amor antissocial. Nesse sentido, eu não sou nem romântico nem clássico. Minha abordagem é de que o amor é um encontro e uma construção. Você precisa resolver os problemas do amor – viver juntos ou não, ter um filho ou não, o que fazer à noite".

O novo livro sobre o amor é uma aplicação da singular filosofia do sujeito de Badiou e da sua inusitada concepção de verdade exposta em livros incrivelmente imponentes que se aprofundam na matemática e utilizam a teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel. Esses livros o levaram a ser exaltado como um grande filósofo. "Uma figura como Platão ou Hegelcaminha enter nós", escreveu Slavoj Žižek.

A filosofia do sujeito de Badiou é uma elaboração do slogan existencialista de Jean-Paul Sartre, "a existência precede a essência", e incorpora uma hipótese comunista que agradaria aLouis Althusser. Também é uma crítica dura a filósofos franceses do pós-guerra e muitas vezes pós-modernos comoDerrida, Lyotard, Baudrillard e Foucault. O que é o sujeito para Badiou? "Simone de Beauvoir escreveu que você não nasce mulher, você se torna mulher. Eu diria que você não é um sujeito ou um ser humano, mas se torna um. Você se torna um sujeito na medida em que você pode responder aos eventos. Para mim, pessoalmente, eu respondi aos eventos de 1968, eu aceitei meu destino romântico, continuei interessado em matemática – todos esses eventos do acaso me fizeram quem eu sou".

E conclui: "Você descobre a verdade em sua resposta ao evento. A verdade é uma construção depois do evento. O exemplo do amor é o mais claro. Ele começa com um encontro que não é calculável, mas, mais tarde, você percebe o que ele foi. O mesmo vale para a ciência: você descobre algo inesperado – como as montanhas na Lua, digamos –, e, depois, há um trabalho matemático para lhe dar sentido. Esse é um processo de verdade, porque nessa experiência subjetiva há um certo valor universal. É um procedimento de verdade porque leva da experiência subjetiva e do acaso ao valor universal".

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Edgar Morin - Os métodos. O paradigma da complexidade.


OS MÉTODOS
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

Edgar Morin filósofo, sociólogo, epistemólogo, é um pensador contemporâneo transdisciplinar, diz: Não sou daqueles que têm uma carreira, mas dos que têm uma vida (...) Passei ao largo dos amores, ainda que não tenha podido viver sem amor: diria até que, sem alta combustão amorosa, eu não teria jamais tido coragem de escrever O Método. O Prof. Morin não escrevia de uma torre que o separa da vida, mas de um redemoinho que o joga em sua vida e na vida. A aventura do Método preenche sua vida durante três décadas e meia, de 1969 a 20000. Trata-se de um caleidoscópio, uma empreitada epistemológica, uma obra estendida em seis Tomos, em que o Prof. Morin constrói a partir da derrocada do modelo iluminista do fracionamento da realidade para entendê-la, um método que procura elucidar a profundidade do pensamento complexo, a possibilidade de um conhecimento polissêmico, um feixe, inter, multi e transdiciplinar.

Então, vejamos um quadro de cada Tomo do Método. No conjunto da obra O Método, o Prof. Morin aborda a partir do paradigma da complexidade a teoria e o método na construção do saber, do desenvolvimento da ciência. Apresenta-nos como no antigo paradigma a ciência está fechada e manipulada pela tecnologia. Segundo o Prof. Morin a teoria não é conhecimento, ela permite o conhecimento, estando assim a teoria à beira da degradação, achatada e simplificada. Isto decorre por três motivos, constata o Professor a teoria torna-se utilitarista, conservando aquilo que é operacional, desta maneira passa de logos a técnica; a teoria torna-se doutrina e fecha-se cada vez mais à contestação; e ainda a teoria se vulgariza e ?difunde-se à custa desta simplificação de consumo. Aqui mora o perigo que consiste em esvaziar a complexidade.

Assim, o Prof. Morin deixa claro que não há teoria sem método,a teoria quase se confunde com o método ou, melhor, teoria e método são os dois componentes indispensáveis do conhecimento complexo. O método torna-se fundamental pelo fato de organizar a teoria, desta maneira ela pode evitar a retroação, ou seja, a simplificação da teoria, o método guia a razão. Notamos assim, que é impossível desvencilhar o método da teoria, pois toda teoria é teoria na medida em que apresenta um norteador que organize o pensamento, no caso o método, daí quanto mais claro e objetivo apresentar-se o método maior a possibilidade de não banalização da construção teórica. Existe na complexidade uma racionalidade aberta, que reconhece que não há ciência pura, no entanto, esta possibilita uma teoria do sujeito no cerne da ciência, o que abre as portas para uma crítica construtiva do sujeito pela epistemologia complexa, trazendo assim o esclarecimento pela ética.

A obra, o Método se distancia do que Descartes propôs como método. Enquanto este o cerne da questão é a certeza indubitável, o Prof. Morin coloca as possibilidades no horizonte da incerteza, da diversidade, da complexidade que é o homem. Assim o homem e o mundo não transcendem um ao outro, porém se multiplicam se modificam, se transformam, desaparecem e aparecem.

Então, em síntese, O método se apresenta em seis temas, são seis entradas abordando a complexidade humana. O primeiro, a natureza da natureza: formalmente, apresenta uma epistemologia de complexidade. Trabalha a relação entre ciência do homem e ciência da natureza, num contexto de complexidade. "A complexidade é um progresso de conhecimento que traz o desconhecido e o mistério. O mistério não é somente privativo; ele nos libera de toda racionalização delirante que pretende reduzir o real à idéia. Ele nos traz, sob forma de poesia, a mensagem do inconcebível". O segundo, a vida da vida: Centrado na questão do homem, destrona o antropocentrismo: discute a vida existente antes do homem e o próprio homem como produtor e produto de sua espécie. "Ninguém pode basear-se, hoje, na sua pretensão ao conhecimento, numa evidência indubitável ou num saber definitivamente verificado. Ninguém pode construir seu conhecimento sobre uma rocha de certeza. A minha pesquisa de Método parte, não da terra firme, mas do solo que desmorona, adverte o Prof. Morin. O terceiro, o conhecimento do conhecimento: A grande questão é o reducionismo, a fragmentação do saber. Para entender e ser num mundo globalizado, de culturas e interesses tão díspares, o autor evidencia a necessidade de religar as ciências biológicas, físicas e humanas. Os progressos do conhecimento aumentam o paradoxo da separação/comunicação e do fechamento/abertura: quanto mais a organização cognitiva torna-se original, singular, individual, fechada sobre si mesma, separada do mundo, mais está apta a tornar-se objetiva, coletiva, universal, aberta e em comunicação com o mundo. Em paralelo, quanto mais o homem acentua a sua diferença e a sua marginalidade em relação à natureza, mais aumenta as possibilidades de conhecimento da natureza, reflete o filósofo. O quarto, as idéias: habitat, vida, costumes, organização: serve de introdução ao problema da reflexão no mundo contemporâneo - o livro é denso nos aspectos com que aborda as idéias: a ecologia das idéias o equilíbrio entre as idéias que o sujeito desenvolve e as que a cultura, a sociedade, lhe oferece, das quais se apropria e é apropriado por elas; a noosfera vem a se constituir na relação dicotômica e conjunta de autonomia e dependência da vida no pensamento; a noologia estabelece as relações entre a linguagem e a lógica, sua complexidade.. O quinto, a humanidade da humanidade: a identidade humana: é a síntese de uma vida. Todos os temas das obras anteriores de Edgar Morin aparecem reunidos e aprofundados neste quinto e decisivo volume, com uma configuração e um arranjo inteiramente novos. Este livro aborda o destino da identidade humana, em jogo na crise planetária em curso. O Prof. Morin trabalha as condições em que a identidade humana é construída; suas interrelações social, cultural e política, o contexto histórico e planetário. Quem é o homem na relação com o outro e consigo. A indagação quem somos é inseparável de onde estamos, de onde viemos, para onde vamos. Conhecer o humano não é expulsa-lo do universo, mas situa-lo. Como sempre, este trabalho rompe com a fragmentação do conhecimento nas ciências humanas e propõe uma verdadeira reforma do pensamento. O Professor convida-nos a pensar a vida na vida. O sexto Tomo traz o tema da ética: Este sexto e último volume de O Método constituem o ponto culminante da grande obra do Prof. Edgar Morin, aqui faz da complexidade um problema fundamental a ser abordado e elucidado. Neste sexto tomo, o mais concreto e talvez mais acessível, o Prof. Morin parte da crise contemporânea, ocidental, da ética para voltar a ela, ao final, depois de uma análise antropológica, histórica e filosófica do problema. A ética permanece ligada a uma filosofia do espírito. Para a construção de sua teoria ética, o filósofo e sociólogo parte de um conceito de inspiração kantiana, definindo a ética como exigência moral auto-imposta. Mas, em lugar dos imperativos provindos da razão prática (Kant), na Ética da complexidade, o imperativo provém de três fontes, uma fonte interna, análogo à consciência do sujeito; uma fonte externa, simulada pela cultura, pelas crenças e pelas normas pré-estabelecidas na comunidade; e de uma fonte anterior própria à organização dos seres vivos e transmitida geneticamente. A complexidade apresentada por essa ética nos exige uma reflexão sobre quão concernente são as escolhas morais que temos de fazer em nosso cotidiano.

A leitura do Método, do paradigma da complexidade, é um excelente meio para fazer diminuir miopias e cegueiras e abrir a esperança a novos horizontes.A busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma de uma resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria de esperança. 

Peter Sloterdijk e a frase de Nietzsche sobre a música.





“Onde estamos quando escutamos música?” A resposta a essa pergunta é motivo para Peter Sloterdijk traçar, em resumo máximo, o trajeto da filosofia contemporânea: “(…) expulsar as quimeras da subjetividade absoluta em favor de uma inteligência personalizada. Existencialidade em lugar de substancialidade; ressonância em lugar de autonomia; percussão em lugar de fundamento”.(1)

O que se diz acima é de uma ousadia enorme, mas é exatamente isso que a filosofia contemporânea tem feito, respectivamente: contra Descartes, enfia-se um sujeito como nome, RG, CIC, sutiã e cabelo nas virilhas; contra Aristóteles (e Descartes), põe-se a vida cotidiana enlameada de mais vida cotidiana; Beatles no lugar de Kant; tambores no lugar do Gigante Atlas, o sustentador do mundo.

Esse projeto escandaliza. Não à toa o senso comum, mesmo altamente escolarizado, às vezes olha para todos nós, os que lidam com filosofia contemporânea, acusando-nos de estarmos longe da filosofia. Pensam que os jovens educados por nós não saberão os clássicos. Mas, ao contrário, queremos que os jovens amem os clássicos, mas saibam que estamos agora com outras possibilidades.

“Onde estamos quando escutamos música?” Essa pergunta tem a ver, como Sloterdijk nota, com a de Hannah Arendt “onde estamos quando estamos pensando?”; e também com a dele mesmo, “onde estamos quando estamos no mundo?” Trata-se aí da busca de uma narrativa ontológica até então não construída. Temos sido fã dos olhos, da visão, ao menos em filosofia. A filosofia ou não tem orelhas ou as esconde. Afinal, orelhudo não é sinônimo de inteligência, muito pelo contrário! Então, se a filosofia cultiva o olhar e as metáforas das luzes, da visão, ela nos obriga a colocar tudo a uma certa distância – isso é ser inteligente e metódico. Ver bem é ver a uma certa distância. Impõe-se aí uma situação objetivante e, no limite, coisificante. Assim, o pensar e até o estar no mundo podem se assemelhar a essa situação de “estar a certa distância” – colocar o conteúdo do que se pensa e o conteúdo de si mesmo em um ponto ideal. Mas, segundo Sloterdijk, a música não vai à esquina, ela está onde está o sujeito ouvinte e este está onde a música está. Esse modelo de relação é completamente diferente do modelo de relação imposto pela visão, que no máximo chega ao intersubjetivismo, algo da cantilena de Habermas. Mas, com Sloterdijk, trata-se de ater-se a uma filosofia do entre, do meio, do que se coloca como simbiótico.

Com um pouco de imaginação, podemos retomar Descartes e vê-lo em uma situação inusitada. Ele se livra de todas as sensações para poder ficar apenas com o pensamento. Apenas cogita. O cogito se impõe como o que existe porque é cogito, ou seja, pensamento que funciona pensando, e isso mesmo que queira negar-se – para tal tem de continuar pensando. Mas no silêncio do pensamento há mesmo o silêncio absoluto? Ou há o ouvir as palavras do pensamento. O pensamento é a conversa da alma consigo mesma, dizia Platão. Mas como? As palavras não devem ser ouvidas? É possível pensar, o que fazemos com a linguagem, sem ouvir as palavras? Se Descartes tivesse prestado mais atenção, não concordaria estar no interior do som ao mesmo tempo em que este está em seu interior?

Não aprendemos a escutar após nascer. Escutamos antes, e de diversas formas: primeiro por vibrações do liquido amniótico e pela bolsa placentária ganhamos a sinestesia do som. Tanto é verdade que um bebê surdo, ao escutar por meio de aparelhos, sorri, se o som é agradável. Não se espanta. É como se já tivesse recebido o som antes e aprendido a aprova-lo ou não, evitando o barulho ruim. Efetivamente assim ocorreu no útero, onde se criaram as condições sinestésicas para que o feto “soubesse” ou que é som, mesmo que depois, por algum problema, seu ouvido não tenha se desenvolvido a contento. Há algo como o som no lugar em que pensamos e estamos – somos nós; e há algo em nós quando pensamos e estamos – o som da palavra. As relações uterinas dos sons não são da ordem de sujeito e objeto, mas de simbiose, interpenetração e, é claro, posterior ressonância. Ressonância antes que autonomia. Somos seres autônomos de modo não absoluto, nem mesmo de modo relativo segundo o modelo de átomos individuais em um clube liberal, mas como peças que estão sempre em ressonância. Na fala de Martin Buber: as crianças já aparecem com o “instinto de relação”.

Sloterdijk cita Cioran e isso nos faz compreender seu ponto de chegada e partida: ‘Carregamos conosco toda a música: lá nos mais profundos estratos da memória. Toda a música pertence à reminiscência. No tempo em que não possuíamos nome algum, deveríamos já ter ouvido tudo’. (2)

Cada um de nós está antes de tudo na música, se pensando – fomos feitos assim! A filosofia então se encaminha para esse modelo na qual a música dá as pistas, não somente os olhos. Ambos, contemporaneamente, estão com a música. Talvez agora possamos compreender mesmo a frase de Nietzsche “sem música a vida seria um erro”. Não se trata então de uma frase que adverte para que tenhamos música, mas uma frase de constatação, de descrição ontológica.

Derrida e a noção de aporia Pt 2

Na aporia (c), as oposições, por mais que elas existam (não se está pondo em cheque sua existência) não podem ser localizadas – o que condiz justamente com o efeito da autoimunidade. A saber: tornar as fronteiras entre dentro e fora, anticorpo e antígeno, amigo e inimigo não localizáveis, complicar a linha divisória que mantém as oposições estáveis. Se aquilo que nos protege também nos destrói, localizar aonde o amigo e o inimigo se situam torna-se, no mínimo complicado.

     Não podemos confundir, no entanto, essa situação aporética dada por (c) com a descrita em (b). Não se trata de dizer que a autoimunidade provém ou deriva de uma dissolução das fronteiras e de um livre passe para ir e vir. Fronteiras continuam a existir, elas não são diluídas, mas apenas não imediatamente reconhecíveis. A autoimunidade complica a identificação “nominal” e “espacial” dos agentes, gerando uma situação que Protevi narra como de espionagem e contra espionagem:
A tarefa do sistema imunológico é a de leitura, espionagem e contra-espionagem. A fase final da doença autoimune — especialmente quando essa mira o sistema imunológico ele mesmo (a posição de Root-Bernstein em Rethinking AIDS) — é a de uma tarefa impossível de desfazer os erros cometidos pela polícia interna que confundiu polícia interna com agentes estrangeiros fantasiados de polícia interna dedicada a seguir os agentes estrangeiros como polícia interna... Suspeita é levada ao limite; hermenêutica ao extremo. (Protevi, 2001, p.102).
     O modelo da espionagem e contra espionagem, parece, então, se adequar a aporia (c) descrita por Derrida assim como o modelo da guerra se adequa a aporia (a). Se a autoimunidade pode ser entendida como um ataque às próprias defesas, processos antagônicos podem acontecer ao mesmo tempo no interior de um organismo. Com isso, o estabelecimento de táticas de guerra confiáveis fica comprometido dada a possibilidade sempre aberta de que anticorpos se transformem em auto anticorpos.
     Cabe-nos agora perguntar como essa identificação ajuda a pensar a autoimunidade como estratégia para pensar a vida de outro modo. Na última seção foi dito que “pensar de outro modo a vida, não pode ser uma oposição conceitual à vida enquanto imunidade absoluta, mas tão somente uma alternativa entre aspas a essa vida.” Tal alternativa entre aspas parece ser melhor entendida como uma aporia auto imune, uma vez que essa desconstrói e auto imuniza o conceito de vida enquanto imunidade absoluta sem lhe opor dicotomicamente outro conceito.
     A autoimunidade precisa da vida enquanto imunidade absoluta. Ela não pode existir em seu exterior e lhe declarar guerra. Ela é uma espécie de doença crônica que apenas pode existir à medida que a primeira começa a se desenvolver. Isto é: a autoimunização é “fruto” de uma tentativa de imunização, de proteção e defesa.
     Se essas tentativas não são realizadas, também não se poderia dizer que a vida enquanto imunidade absoluta poderia “voltar contra si mesma” numa reação autoimunitária. Há, portanto, uma relação de mútua implicação entre os processos autoimunitários e a tentativa de formação de uma vida enquanto imunidade absoluta.
     Essa “mútua implicação” pode ser vislumbrada através da auto-desconstrução que a aporia autoimune provoca na vida enquanto imunidade absoluta na impossibilidade de se pensar outro conceito de vida. Percebe-se, portanto, que os ditos processos autoimunitários podem ser entendidos como a estratégia derridiana para pensar a vida de outro modo na impossibilidade de pensar outro conceito de vida. Isso se justifica porque esses processos não conduzem nem à positividade de outro conceito de vida (descrevem apenas uma doença que ataca a vida) nem à negatividade absoluta que a vida enquanto imunidade absoluta produz (eles não conduzem à negação da passagem do tempo e à morte absoluta).
     Na impossibilidade de se estabelecer outro conceito de vida, algo acontece, no entanto, a esse conceito. Esse “algo acontece” problematiza a tomada de partido apressada quanto às identidades do “invasor” e do “protetor” e mesmo das delimitações do meu interior e o meu exterior. A aporia autoimune parece fazer da oposição dicotômica dada pela metáfora da guerra virótica apenas um primeiro cenário a ser investigado. Permaneceria sempre aberta a possibilidade de encontramos um segundo cenário dentro desse primeiro, no qual invasor e protetor trocariam de papéis.

Derrida e a noção de aporia Pt 1

Derrida e a noção de aporia Pt 1

Mas, do que se trata a aporia para Derrida? Do ponto de vista lógico, pode-se dizer que uma aporia é uma contradição. Isto é, uma violação do princípio de não contradição elaborado na sua formulação mais canônica na Metafísica de Aristóteles. Em Força de Lei, Derrida chega a dizer que a desconstrução possui um “aspecto demonstrativo e aparentemente não histórico dos paradoxos lógicos-formais.” (Derrida, 2010, p. 41). Nesse mesmo texto, Derrida elege a palavra “aporia” para descrever esses “paradoxos logico-formais”: Ele diz: “Trata-se de um único potencial aporético que se distribui infinitamente.” (Derrida, 2010 p. 41).
     O caminho lógico-formal de desenvolvimento da aporia, não é, todavia, o escolhido por Derrida em sua abordagem da aporia. O autor prefere desenvolver a dimensão “patética” oriunda dessa situação. Como é dito tanto em Força de Lei (1984) como Aporias (1992), o termo grego “a- poria” (a- alfa privativo/ poros- caminho, passagem) indica uma ausência de passagem, uma impossibilidade de se tomar um caminho.
     Derrida diz: “Diaporeo é o termo de Aristóteles; ele significa: “Eu estou emperrado [dans l'embarras], Eu não consigo sair, Eu não posso fazer nada." (Derrida, 1993, p. 33). A essa situação de “não poder fazer nada” Derrida atribui uma infinidade de casos em sua obra e diz: “Eu me rendi à palavra aporias, no plural” (Derrida, 1993, p. 31).
     Toda essa diversidade de casos não impede, no entanto, que Derrida admita haver uma regularidade formal nas ditas aporias. Ele diz: “aconteceu em vários contextos diferentes, mas como uma regularidade formal” (Derrida, 1993, p. 32) [meu grifo]. No mesmo texto, Derrida diz que experiência da aporia ou do “Eu não consigo sair,” pode ser entendida de três maneiras (Derrida, 1993, p. 44-48). Seriam elas:
     (a) a aporia provém de uma barreira, uma fronteira que não se pode atravessar. O exemplo de Derrida é a guerra: quando todas as passagens são bloqueadas e não se pode passar salvo por senhas e palavras chaves misteriosas. (shibboleth).
     (b) a aporia provém do fato de que todas as fronteiras são passíveis de serem atravessadas, que todas as barreiras são dissolvidas e transponíveis. O exemplo de Derrida é a dissolução da separação entre a minha casa (chez moi) e da casa do outro (chez l’autre).

     (c) a aporia provém da ausência de algo como uma “passagem, passo, caminhada, marcha, deslocamento, ou re-deslocamento, uma kinesis em geral” (Derrida, 1993, p. 21). Haveria uma ausência das condições topográficas das quais as duas outras aporias derivariam. O exemplo de Derrida é o que o autor chama de “evento”: O advento do evento não pode ser determinado pela ultrapassagem ou não ultrapassagem de bordas ou fronteiras. Ele não pode ser localizado espacialmente.
     A aporia descrita em (a) pode ser comparada ao modelo que Protevi (2001), ao desenvolver uma leitura “desconstrutiva” sobre a AIDS, descreveu como o paradigma da virologia. Para o autor essa ciência é baseada na suposição de bordas rigidamente marcadas entre o fora e o dentro do organismo.
     O vírus é um agente, por definição externo ao organismo que atravessaria sua fronteira como um invasor estrangeiro para desorganizar a ordem prévia desse organismo. A virologia poderia ser descrita, portanto, a partir do modelo da aporia (a) no qual Derrida toma a guerra como exemplo.
     Coincidentemente ou não, o modelo da guerra também é usado por Protevi na sua descrição da virologia: “o modelo de guerra virótico, no qual a tarefa é a defesa das tropas contra o inimigo atravessando as paredes, é relativamente tranquilizador.” (Protevi, 2001, p. 102).
     Protevi ressalta como esse “modelo de guerra virótico,” é o modelo dominante na interpretação das causas da AIDS, uma vez que a hipótese mais difundida e patrocinada é a da infecção pelo vírus HIV. No âmbito do que o autor chama de “virologia,” podemos encontrar uma oposição clara entre, por um lado defesa do organismo, e, por outro, ataque contra o organismo. A virologia seria um discurso que põe em movimento uma lógica dicotômica no qual os agentes seriam facilmente reconhecíveis. Protevi desenvolve seu diagnóstico na passagem seguinte:
Nesse quadro, o vírus vem de fora, rompendo as paredes que deveriam separar o corpo unitário de seu oposto, do mundo exterior. O corpo é visto como uma interioridade encerrada por uma barreira protetora, uma fronteira. De acordo com o imaginário cultural oposicional, as paredes idealmente mucosas e sem costura são, de fato, frágeis, com tendência a pequenos rasgos invisíveis, abrindo o interior a um exterior que deveria se manter exterior. A resposta a essa degeneração factual da separação ideal é policiar as bordas do corpo político somático. As mensagens são bem conhecidas até agora: separar o dentro do fora. Evitar misturar os famosos fluidos corporais. A verdade sobre a AIDS é uma limnologia, um discurso sobre as bordas: mantenha seus fluidos para você! Não traga sangue estrangeiro para dentro! Limpe suas agulhas, tome conta da proveniência de seu sangue: regule a pureza das substancias externas, se você precisa- por perversidade ou ordem medical- incorporá-las. Mantenha o seu pênis e seus fluidos para você mesmo! O preservativo mantem o fora, até quando está dentro, fora. Mantenha seu clitóris e secreções vaginais para você! A barragem dental mantem o dentro, mesmo quando está fora, dentro. Látex é vida, troca de fluidos, morte. (Protevi, 2001, p.101).
     Contra o modelo virótico por infecção do HIV, o autor defende uma imunologia para a qual: “a questão não é nunca a de dentro ou fora, mas de uma distribuição econômica entre entrada, assimilação ou rejeição e excreção. O corpo unitário, presente a si é explodido num sistema de troca.” E para Protevi: “a regulação dessa troca é o trabalho do sistema imunológico” (Protevi, 2001, p. 102).
     A partir desse “diagnóstico” percebe-se que o modelo imunológico descrito por Protevi não poderia ser descrito pela aporia (a) a partir da qual descrevemos a virologia. Os processos imunológicos e, mais especificamente, o efeito autoimunitário resultante desse processo, parece poder ser melhor descrito a partir da aporia (c).

Série Black mirror e o avanço da tecnologia.

Primeiro post.

Série finalizada. Até porque é um seriado compacto mas não menos dinâmico e empolgante. Diferenciado ao meu ver pois faz uma crítica de uma forma a não se ignorar ao uso da tecnologia em nossas vidas aos avanços científicos em combinação com o velho conhecido capitalismo e a exploração do homem pelo homem. Sloterdijk diria que estou sendo clichê a remeter está série a velha luta de classes e ao livre acesso ao produto fabricado ao seu proletário sugerido por Marx, porém não se trata exatamente disso se trata em refletir sobre a real necessidade e utilidade desses avanços para a convivência real afetiva e em sociedade nesse novo arquétipo do humanismo ou será que esse humanismo já é um conceito superado nesse novo formato de sociedade no qual por exemplo trabalhamos com afinco com manipulações genéticas? Black mirror fará você refletir acerca de abordagens desse tipo. No mais série ÓTIMA e deixa aquele gostinho de quero mais.